Águeda como é tão bela e preciosa
Como é tão linda a origem de onde vem
Casal do Lousato foi seu embrião
E Mártir Santa Eulália, sua mãe
Como eras tão atraente ó minha terra
Tinas um aspecto encantador e lindo
Pois nada precisavas para ser bela
Das belezas naturais usufruindo
Por isso um poeta ao contemplar-te
Apaixonado "Águeda a Linda" te chamou
Quando ausente te levou no coração
E não se esqueceu de ti, sempre te amou
Não se vislumbram agora os teus encantos
Desses tempos que eras linda e bela
Tão linda como Ruela te escreveu
Tão linda como te cantou Portela
Tinhas a pureza da serra, do campo
E gente ao calor, ao pó, nas sachadelas
Tinhas milho azevém e os pampilhos
O cantar das rãs, dos grilos e das relas
Nos açudes erva doce e rosmaninho
Cheirava a alecrim à porta dos casais
Pelo monte a flor da gesta, da carqueja
E papoilas misturadas nos trigais
Tinhas na serra o lindo nascer do sol
Que dava luz e calor ao rico e ao +pobre
E o pôr do sol a mergulhar no mar
Quando o crepúsculo da noite o encobre
Tinhas rio com água pura e corrente
Onde havia peixe e atletas a correr
A verdura dos choupos e salgueiros
E o cantar do melro ao amanhecer
E quando a noite avançava nas aldeias
E as suas gentes entravam em sossego
Ouvia-se o cantar da coruja, do mocho
E o piar estridente do morcego
Tinhas as noras com o seu chiar dolente
Que rolavam sempre de noite e de dia
Para abastecerem água para as regas
Cada um na hora que lhe pertencia
Viam-se pelo campo os estanca rios
Juntinhos ao rio para a água tirar
Eram movimentados por uma vaca
De olhos vendados à roda sem parar
Minha terra tinha tanta coisa linda
Eu bem me recordo, era ainda novo
Não havia muito pão, devido à guerra
Mas vivia muito mais feliz o povo
Onde estão o coreto, o lago, os gansos
A linda casa dos Paços do Concelho
Onde está a fonte daquela água pura
Juntinho mesmo ao município velho
Tanta gente ali matou a sede
Nas duas bicas de água pura e corrente
Bebeu lá o Zé Tendeiro em certos dias
Mesmo com o Candeeiro ali de frente
Ela passou para a praça do Município
E foi transportada com tal jeitinho
Que os leões que suportavam a pia
Fugiram e perderam-se no caminho
A pobre daquela fonte centenária
É muito triste o fado que ela tem
Desmembrada, sussurra, só faz barulho
Sua água não mata a sede a ninguém
Onde está o fontanário da Praça Velha
Os barquinhos do André a navegar
O ginásio onde estava a Ti Custódia
E a Voz do Botaréu sempre a tocar
Era o Tenente Flores a alegrar a terra
Com seu estúdio por ele ali montado
Onde transmitia sempre boa música
Ou algum disco para alguém dedicado
Do Jardim Velho até ao Botaréu
Para ouvirem os discos dedicados
Nesse lugar que era muito concorrido
Passeavam os casais dos namorados
Gente muito ilustre de Águeda ia à Custódia
Procurando o bom café que ela tinha
Até mesmo o Padre Óscar pela calada
Ia ali para beber sua ginjinha
Jogava-se lá bilhar e Ping-pong
Por dez tostões apenas cada jogada
Também o dominó, as damas, as cartas
E quantas vezes até de madrugada
Como era lindo ouvir as serenatas
Quando a lua ia alta, à luz do luar
E a voz cristalina do Alcino
Encantava todos com seu cantar
Há um fado que ele cantava tão bonito
E que sempre cantou ao longo da vida
Tinha uma letra de autor desconhecido
Era conhecida de Guitarra Querida
Assim Alcino se habituou a cantar o fado
E hoje com uma voz sem igual
É considerado nos meios artísticos
Como um dos melhores cantores de Portugal
A cúpula do céu, a lua e as estrelas
Eram o auditório para os cantores
Sua voz entoava suavemente
Quando a noite era calma e sem rumores
Cantou o Bibi e o Rui Vitaliano
Jorge Preto com sua voz de encantar
Acompanhado às vezes com instrumentos
Que davam mais vida ao seu cantar
Quando se ouvia o Hernâni Cabaço
Dando à noite um timbre invulgar
As meninas vinham todas às janelas
Só com o prazer de o ouvir cantar
Entoava lindos fados de Coimbra
Apreciados aqui no nosso meio
Cantava muito bem "Olhos Castanhos"
E a linda canção "Marco do Correio"
Como era consolador ouvir o Dário Vidal
Silveira Martins com o seu fado dolente
O Adolfo e o amigo Carvalho
O Nobre, Martins e António Doente
Era um rouxinol o amigo Valantas
Sempre com sua viola afinada
A cantar lindas canções mexicanas
Toda a noite até romper a madrugada
Quando a sua voz à noite se ouvia
À janela das garotas a cantar
Deliciáva-as com uma linda canção
Que eu quero agora aqui recordar
"Acorda se estás dormindo
Nesse sono enlevado
Acorda, vem à janela
Vem ouvir cantar o fado"
Cantava um fado o Silveira Martins
Que ele diz agora ter esquecido
Mas que eu quero recordar porque o ouvi
E que era o fado dele preferido
"Você não sei bem porquê
mas gosto de vê-la
você não sei bem porquê
não posso esquecê-la
Você finge que não vê
e que não dá por tal
talvez um dia você
venha a ter tormento igual
Você que desgraça
por mais que lhe faça
não gosta de mim
você bem podia
ser minha alegria
no entanto é assim
Você castiga
por mais que lhe diga
não mostra saber
você sempre esquiva
vaidosa e altiva
você não me quer"
Cantava o Gomes o fado de Lisboa
E o Zé Bala o fado de Coimbra
O nosso querido Alípio também se ouvia
Com sua voz encantadora que à noite timbra
Cantou César Maceta e Néu Funa
Cantava bem o Franquelim da Borralha
O Zé Pedro com a sua viola
A cantar os velhos fados p’rá maralha
Quando o Pedro cantava à namorada
Ou por ela muito apaixonado fica
Cantava com uma voz sentimental
"Ouve-me, meu amor, Virita, Virita"
O Alípio está ausente no Brasil
Traz sempre boa mensagem prá gente
Gosta d’Águeda e quer sempre falar dela
Porque nasceu cá, amor por ela sente
José Júlio Ribeiro também cantava
E a sua voz era muito apreciada
Como o doutor Martins com a sua viola
A cantar fados de Coimbra e balada
Doutor Madeira, exímio cantor
O fado de Coimbra é sua paixão
Cantou serenatas ainda estudante
Com a companheira guitarra na mão
Quem teve o privilégio de ouvir o Rui Vulga
A sua voz linda não havia igual
Como o Melo e o amigo João Saldanha
E lá pela Arrancada o Zé Vidal
Tinha voz inesquecível o Salgado
Ela cantava com muita categoria
Pessoas de idade vinham à janela
Quando pela noite a voz dele se ouvia
Também cantou o fado de Coimbra
O saudoso estudante Alfredo Costa
Como o Maximiano, o velho Escola
A cantar canções que tanto gosta
A minha terra tinha um ar tão diferente
Quando a Páscoa vinha era uma alegria
Águeda tinha um ar mais perfumado
Quando à semana Santa se assistia
Oh, como em criança tudo era diferente
De calções e bibe, as meninas com laços
Pela Páscoa com sentido nas amêndoas
De saco ao pescoço a pedir para os Passos
Essas Páscoas, ó Águeda eu não esqueço
O teu seio exalava tal cheirinho
As tuas ruas cobertas de verdura
Impregnadas de cheiro a rosmaninho
A Semana Santa, quem se lembra
Das cerimónias, das grandes pregações
Em que o povo aparecia todo em massa
Acompanhando as diversas procissões
De quarta feira até Domingo de Páscoa
O povo com respeito e devoção
Ia ao adro que estava sempre cheio
Para ouvir do senhor padre o seu sermão
Começava em quarta feira de Trevas
E todo o rapazio em geral
Aparecia nesse dia com as tréculas
E fazia um, barulho infernal
O ruído que faziam na igreja
Tinha sempre um período limitado
Mas se algum malandreco excedia
Deixava o senhor padre arreliado
Desde que começava a Semana Santa
Para iluminar a todo o instante
Até ao Domingo da Ressurreição
Estava a arder um círio gigante
Quando passava o senhor morto
Todo o povo com respeito e devoção
Vinha ouvir cantar a Verónica
No percurso de tão triste procissão
Belas vozes cantaram o Vos Omnes
Nas paragens ao longo da procissão
Cantou a Canquiça, a Rosa do Gravanço
Com linda voz como Odete do Sardão
Ensaiou muitos anos o Vos Omnes
Godofredo Duarte que foi grande regente
Homem de grande talento musical
Que bonitas obras deixou à gente
Ofereceu uma música da barcarola
Que guardo ainda com muito carinho
Com ela ganhei um prémio em Cesar
Com o rancho "Os Malmequeres de Campinho"
Ensinou a Glória dos padres-nossos
Também ensaiou o padre Rachão
O nosso saudoso padre Amílcar
Que Águeda chorou sua separação
Pelos Ramos era lindo ver no adro
Altas cruzes que eram bem ornamentadas
Revestidas a alecrim e muitos lírios
E pela rapaziada transportadas
Grupos de moços vinham a pé
Deslocando-se de toda a Freguesia
Com gigantes e pesadas cruzes
Que o senhor padre na igreja benzia
Todos procuravam trazer a melhor
Cruzes grandes, coisa que se veja
De tal maneira que a maior parte delas
Não as conseguiam meter na igreja
Com aprumo, muito respeito e fé
Já sagradas para o cristão verdadeiro
Depois de benzidas vinham em procissão
E circundavam o tão velho cruzeiro
E na crença deste povo tão cristão
O alecrim benzido era guardado
Para quando viesse a trovoada
Por entre duas telhas ser queimado
O seu cheirinho chegava ao céu
Como o incenso que tão bem cheira
Para que Deus desviasse a trovoada
Para onde não houvesse eira nem beira
Paredes apresentava a maior cruz
Que eram por muitos moços transportada
O seu peso ultrapassava os cem quilos
E era com quatro cordas segurada
Alguns rapazes que me lembre
que levaram a cruz no último ano
Foram Augusto Jeitosinho, Néu Charra
António Salazar, Joel e Herculano
Fizeram ainda parte Eugénio Preto
António Chula e o Nito Estica
E a cruz que seguia sempre deitada
No regresso encoastda à capela fica
E depois de estar ali durante meses
Onde o povo ia tirando o alecrim
Foi pr’á eira do senhor Dionísio Chula
Sendo ali que veio a ter seu fim
Nos anos atrás havia um outro grupo
Levaram uma cruz deitada com jeitinho
Tunha um peso à volta de duzentos quilos
Sendo o principal o Augusto Carapinho
Foram grandiosas as festas da paz
Feitas em honra de S. Sebastião
Com um programa de festa nunca visto
As melhores a este santo até então
Era obra de arte o Arco do Triunfo
Por onde veio a passar a procissão
Exalando um nevoeiro perfumado
Do doutor Adolfo imaginação
Teve um programa rico e variado
Foram as festas mais lindas que eu vi
Com boa iluminação e fogo preso
E a voz encantadora do Bibi
As festas de S. Pedro em Assequins
Estão bem patentes na minha memória
Donde vieram a nascer dois ranchos
Que honraram Águeda e fizeram história
Como era lindo o cortejo das colheitas
Que foi feito a favor do Hospital
Com muitos ranchos e carros alegóricos
Levando prendas e dinheiro em geral
Vinham ranchos de todos os lugares
Vestidos com lindas roupas a rigor
Interpretando canções maravilhosas
Ao som da pandeireta, do tambor
Num cortejo que me lembre, que beleza
Gente de Assequins com alegria sua
Cantava "Rancho d’Além", "Gota Espanhola"
E cantava o Cabo a "Marcha da Rua"
A vinte e dois do dez de qyuarenta e nove
Na escola dos Sargentos, em plena praça
Assistiu-se ao "Auto da Raínha Santa"
De Serafim Soares da Graça
Um cortejo ao sabor do século catorze
Com trombetas, pagens e escudeiros
Dezenas de cavaleiros com estandartes
E a iluminar as ruas, os archeiros
O grande cortejo saia do Joinal
Depois de cair grandes chuvadas
E as ruas sem a luz municipal
Ficavam com archotes iluminadas
Foi um espectáculo maravilhoso
Que foi interpretado por bons actores
Sobresaíndo o papel maravilhoso
Representado aliu por Orquídea Flores
Eram deste grupom ainda actores
José Silva, José Breda, Manuel Guerra
Fernando Brinco da Costa, Jorge Vargas
Todos eles grandes valores da nossa terra
Também Luciana Guerra, Alfredo Costa
Carlos Veiga, Eduardo Pinho
Gente que fez parte deste grande elenco
Que seguiram do cortejo seu caminho
Este lindo e memorável espectáculo
Teve em Marques Gomes figura principal
Com a Escola Central de Sargentos
Hospital e Câmara Municipal
Que bonita a festa do Souto do Rio
Toda a gente ia ali merendar
Havendo uma ponte feita em madeira
Para pr’á outra margem atravessar
Seguiam maltas a pé ou de bateira
Outros utilizavam os mercantéis
Sem se esquecerem do barril da moringa
E do açafate com os seus farnéis
Com cestos num pau pendurados às costas
Levando cada um o que quer e gosta
Lá seguiam penduradas as condessas
Mas sempre com um pano de linho à mostra
Festas houve a favor da sopa dos pobres
Organismo que o padre Amílcar fundou
Ajudado por um grupo de senhoras
Que nesta tarefa tanto o ajudou
Algumas destas generosas senhoras
Que trabalhavam sempre com muito afinco
Foram Gina Candeeiro, Rosa Pinho
Maria Augusta e Ernestina Brinco
Foi também D. Irene Marques Gomes
Maria Corga e Maria Ester Camelo
Que acompanhavam sempre esta jornada
Com amor aos pobres e bastante zelo
Alguns pobres iam mesmo *a Venda Nova
Onde tinham sopa, pão e às vezes vinho
Mas os que não podiam sair de casa
Era-lhes entregue com o mesmo carinho
Pelo Natal e Páscoa havia festa
Até comiam rancho melhorado
Arroz doce, aletria, boas filhós
Sendo tudo por pessoas de bem dado
Generosa com pena dos pobrezinhos
No hospital havia uma santa senhora
Que dava uma malga de sopa e bom pão
Era a saudosa Irmã Superiora
Ela praticava o bem e não negava
A quem quer que fosse um bocado de pão
Até mesmo agasalho fornecia
Era assim seu prestimoso coração
Acima da ponte a uns duzentos metros
Lá estava a piscina do Algés
Onde toda a mocidade ia nadar
E os mais velhos iam molhar os pés
Ao meio da tarde apareciam miúdos
Para praticar ali naquela escola
Onde aprendiam bem a nadar no rio
Com as boas lições da Lola
Durante trinta anos ensinou
Centenas de crianças a nadar
Fazendo sempre um trabalho prestimoso,
Com entusiasmo sem nada ganhar
Entusiasta era grande nadadora
Praticava natação de muito nova
E chegou mesmo a ganhar uma estafeta
Nadando de costas nessa mesma prova
Seu marido foi um grande nadador
Alinhando em alta competição
Dando luta ao afamado Petroni
Ao Mário Simas e até ao Trovão
Formaram-se ali bons nadadores
Que nos deixaram boas recordações
Como João Mano, Bério, Manué
E outros que até foram campeões
Nesse tempo foram grandes nadadores
Alcançando até o lugar primeiro
Bernardino Saraiva, José Rabeca, Bério
Jorge Cera, Dinis e José Júlio Ribeiro
Grande nadador foi também o foguete
E o António da Graça, o Salazar
Os dois Gastões e até o Gastão Velho
E outros mais que eu quero recordar
Dinis de Recardães, Sílvio Tanoeiro
Irmãos Martins, Carlos Salgado, André
Fernando Moreira, João Fuso, João Brinco
Feliciano Lima e irmão, José
Fui muitas vezes para o rio, tirava a roupa
E andava muito tempo a nadar
A dar tempo que minha a lavasse
Para ser vestida depois de secar
Que prazer apanhar canas de foguetes
Para aproveitar os fios dos canudos
Que serviam para segurar estrelas
Feitas por nós quando éramos miúdos
Papagaios de cana e de papel
Com sua enorme cauda a esvoaçar
Era ver quem conseguia a maior
Para mais horas poderem flutuar
Jogávamos ao calhamontra, à bilharda
Às escondidas, às malhas, ao botão
Ao berlinde, santa matuta, gazolo
À semana, pitorra, côncra, pião
Nos combros pela escuridão da noite
Como era bonito ver os luze-cus
Esses lindos insectos voadores
Que nos irradiavam raios de luz
Na mira de conseguir uma moeda
Segundo a crença que já vinha dos pais
Eram metidos debaixo de uma malga
Para lá deixarem um tostão a mais
Geralmente procurávamos nos vimeiros
As interessantes e frágeis joaninhas
Era um prazer apanhar estes insectos
Por serem de cor vermelha, às pintinhas
Apanhávamos estes lindos insectos
Eram colocados na palma da mão
E então dizíamos a lenga-lenga
Que há longos anos vinha de tradição
"Joaninha voa, voa
Que teu pai está em Lisboa
Traz um saco de farinha
Para dar à joaninha"
Era um prazer apanharmos as carochas
Que trazíamos com um fio penduradas
Ou atacar com calhaus as sardaniscas
Quando estavam nas pedras recostadas
Quase todos os rapazes tinham fisga
Para andarem à caça da passarada
E alguns tinham uma tal pontaria
Que matavam os passarinhos à calhoada
Que bons os morangos silvestres da Corga
Quando em tempos, por ali tantos havia
Ou as pequeninas cucas dos carvalhos
Que a rapaziada às vezes comia
Quantas vezes andávamos pelos combros
Procurando as amoras nos silvados
Ou medronhos vermelhinhos pelo monte
Fruto lindo que era tão apreciado
Para apanhar pintassilgos e pintarroxos
Aos domingos p'rós lados do ribeirinho
Andava por lá tanta rapaziada
Por haver por ali tanto passarinho
Utilizavam pontas de piassaba
E revestidas de visgo, muito aderente
Que colavam as asas das avezinhas
Ficando então ao alcance da gente
Andava por lá sempre o Raúl, Ribeiro
E o Zé Rachinhas aparecia às vezes
Como o marinheiro, António Moreira
O Armando Chibeiro e o Lanheses
Aparecia o ti Alfredo Tamanqueiro
Como Moita e o Elói que era vizinho
Adorava apanhar estas avezinhas
Que depois tratava com muito carinho
Ele tinha na loja tanta passarada
Que davam à rua vida e alegria
Cantavam canários e pintassilgos
E os lindos melros ao longo do dia
Havia um grupo lá pelo Botaréu
Que jogava à bola, às vezes de trapos
Era confeccionada com uma meia
Que só era cheia apenas de farrapos
Jogava Manuel de Oliveira, o Moina
José Júlio Ribeiro, Feliciano
Manuel Alegre, José Lima e Fuso
Carlos Leite, João Júlio e Mano
Às vezes jogava o Perna-Marota
O Alfredo Lima, o Firmino Gaspar
E quando apanhavam bola de borracha
Era caso mesmo para festejar
A Rua de Baixo tinha agitação
Com a oficina do Chico Marceneiro
Uma movimentada tinturaria
E o Daniel que era sapateiro
Também tinha a oficina do Canário
Onde um dia enorme incêndio deflagrou
Que deu origem a criar os Bombeiros
Que o Neca Carneiro com outros fundou
Tiveram lá início as Caves Monte Alto
Onde o Canal sete se encontra instalado
Passando depois para Além-da-Ponte
Onde muito vinho foi engarrafado
Transformaram-se as caves num lindo bar
Que apresentava sempre vinho do mais fino
E café que alcançara tanta fama
E que lhe deu o nome Bar Cimbalino
Foi lá que viveu o amigo Moina
E o grande poeta d' Águeda nasceu
Foi lá que tocou viola o Américo
E onde Celestino Neto viveu
Foi lá que o forno do Abel da Benta
Mesmo aos domingos tantos leitões assou
Que ele próprio vendia na praça velha
Onde tantos bons clientes aviou
Havia nesta rua a pensão Barata
Que teve sempre boa clientela
Era frequentada por muitos Sargentos
Que a preferiam e gostavam dela
A rua da Cancela tem grande história
Junto de um casa em que eu próprio vivi
Fazia lá bons doces a Libânia Loira
Que tantas vezes me dava e eu comi
A Fábrica de Produtos Químicos Pomba
Era empresa de pequena dimensão
Fabricava graxa, tintas, vernizes
Diluente, lacre cola e zarcão
Era o Joaquim Matias o seu dono
Com quem eu próprio convivi muita vez
E que mais tarde, na rua Lourenço Peixinho
Vendia lá calçado, Campeão Português
Viveu lá o grade artista Pechilo
Que lindos fogões de lenha fabricava
Até mesmo a ti Iria do quiosque
Que na sua casa frente a mim morava
Na casa do senhor Hélio Sucena
Que foram meus vizinhos e meus amigos
Quando no tempo das guerras liberais
Ali foram alguns soldados socorridos
Depois de ser demolido o hospital velho
À passagem da estrada número um
Era ali o hospital alternativo
Por não haver cá na vila mais nenhum
Foi feito um onde está o Sotto Mayor
E que até não chegou a laborar
Por motivo de condições higiénicas
Que o impediram de funcionar
Nesta rua da Cancela onde eu morei
Num compartimento do Manuel Simões
E à noite para ver televisão
Pagando de cada vez só dez tostões
Já pelas altas horas da madrugada
Quando a luz do luar nesta rua espelha
Funcionava ali um pequeno bar
A que chamavam a lanterna vermelha
Nesse bar que estava limpo e esmerado
Era ali que muito amigo se encontrava
Já depois de ter fechado os cafés
O Manuel Simões a todos aviava
Tantas noites se mantinham em convívio
Saindo a horas próximas do trabalho
Por terem ali petiscos a sair
E caldo Knorr temperado com sal-de-alho
Aparecia lá o Maximiano
O Adolfo, o Sousa e até o Bibi
Álvaro Breda, Nobre, Hernâni Cabaço
O Vidal e o Martins todo pipi
Ainda o Dário, Raúl Neves, João Breda
Arreganha, Manuel Correia, Sucena
Noronha, Guilherme, doutor José Maria
Girão e outros amantes da verbena
Rua de lavadeiras e prostitutas
Em tempos idos quando ali vivi
Eram lavadeiras a Pega e a Eva
Prostitutas a Magna e a Matari
As prostitutas eram mulheres de bem
Era um recurso para ganhar a vida
A guerra era causa de não haver pão
Miséria que ainda não foi esquecida
Quando a Matari entrou na reforma
Pedia esmola aos seus velhos clientes
Era geralmente de frente ao Camossa
Nem que estivessem as mulheres presentes
Esta linda rua saudades me deixa
Os meus tempos de infância me deixam pena
Quando convivi com grandes amigos
Foram eles José e Paulo Sucena
O largo da Venda Nova, que lindo
Era um encanto nesse tempo ido
Com a fonte tão bela com uma bomba
Que fora feita só de ferro fundido
Onde está a Câmara Municipal
Esteve o Campo de S. Sebastião
Onde o Recreio tantas vezes jogou
E o ti Firmino semeou o grão
O ti Firmino do Vale, meu avô
Muitos anos aquela terra amanhou
Entregou-a para o campo do Recreio
Onde um caminho de glória começou
Nas escarpeladas feitas em Setembro
Aparecia a malta para ajudar
Na mira de apanhar a espiga vermelha
Para as raparigas poderem beijar
Muitas vezes os rapazes de Paredes
Atravessavam de bateira o rio
Para ir escarpelar a Recardães
Em noites de orvalho e muito frio
De regresso os mais malandros e mais fortes
Quer fosse ao domingo quer fosse à semana
Iam de bateira fazer um assalto
Ao pomar da D. Maria Joana
Tinha laranjas de boa qualidade
E eram tantas que até vendia
Mas havia uma malta de Paredes
Que a maior parte da produção comia
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