sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mercado, anos 50

Mas que lindo era o mercado
No cais abaixo da ponte
Estava bem ordenado
Não havia nada a monte

Era bem organizado
Andava tudo na linha
Porque quem mandava ali
Era o amigo Burrinha

Trazia consigo aos ombros
Carteira de cabedal
Onde em troca de uma senha
Lá metia o capital

Era lindo ver serranas
Com as canastras no chão
Vendendo queijos fresquinhos
No meio da multidão

Nas canastras bem limpinhas,
O queijo vinha acamado
Era assim que o transportavam
Coberto com oleado

Mesmo encostado à ponte
Se vendiam protectores
Era tacha e era brocha
Em bastantes vendedores

Tudo vendido à dúzia
Em troca de alguns vinténs
Vinham alguns da Mourisca
Da Trofa e de Segadães

Mesmo ao lado do rio
Todos bastante alinhados
Estavam homens da carne
Com talhos improvisados

Vendiam carne de porco
Matança do seu trabalho
Também vendiam fressura
E tripas de Vinho d’alho

Bons cabritos vindos da serra
Bons borregos e carneiros
Havia rojões e banha
E até enchidos caseiros

Vinham cabritos da serra
Com guardadores a seu lado
Andavam dias a pé
Até chegar ao mercado

No matadouro em Paredes
Eram todos recebidos
E pelo Zé dos Cabritos
Eram muitos abatidos

Na festa de Assequins
Nossa senhora da graça
Matava muitos carneiros
Carneiros de boa raça

Numa festa que me lembre
A coisa foi por de mais
Abateu naquela terra
Cento e setenta animais

Também o amigo Girão
Com sua voz roufenha
Abatia bons carneiros
Fazia boa campanha

Ao José fazia frente
Seu gado não era mau
Matava muitos carneiros
Naquela festa do pau

O gado ali era morto
Mesmo em casa do freguês
Sempre com direito à pele
Que era tirada da rês

Na velha bicicleta
Transportava o seu gado
Metido numa canastra
Com destino ao mercado

O amigo Zé da Deia
Matava porcos caseiros
Tinha fama a sua carne
E até os seus fumeiros

A Zínia da Venda Nova
Lá estava no mercado
Com os seus oitenta anos
Também vendia bom gado

Carne de vitela ou porco
Na troca de mais dinheiro
Só no mestre Manuel do Talho
Ou no talho do Gameiro

Mais tarde veio o Hilário
Com boas carnes também
Mesmo perto do Barril
A todos servia bem

Estavam lá galinheiras
Com coelhos e borrachos
E também frangos caseiros
Que enriqueciam bons tachos

Utilizavam canastras
Era o sistema de então
Todas cobertas de rede
Servindo de protecção

Vendia-se milho e trigo
Aveia e azevém
Tudo vendido ao alqueire
Até à rasa também

Também os tamanqueiros
ali iam todo o ano
vender tamancos chiolas
E até chinelas de pano

Vinham ainda picheleiros
A vender lindas candeias
Que era fonte de luz
Para o povo das aldeias

Vendiam almudes cântaros
Até pr’á roupa bacias
Lindos funis regadores
E até almotolias

Picheleiros afamados
Que trabalharam por cá
Chico Carteiro e Gil
João Latoeiro e Pachá

O Joaquim Brinco Pum
Ao fundo da escada do adro
E ainda o Chegadinho
N’Além-da-Ponte instalado

Usavam chapa zincada
Tudo feito por seus braços
Fabricavam aguadouros
Também chamados cabaços

Ainda vinha ao mercado
Um casal de cordoeiros
Vender sogas adivais
Cabrestos e tamoeiros

Vendiam cordas diversas
E de número variado
Eram vendidas a metro
A metro bem aviado

Enfrentando uma vida dura
P’ra ganhar algum dinheiro
Vinha a Natália Pequena
E o Domingos Cordoeiro

E à volta do mercado
Trazendo burros ou machos
Aparecem vendedores
De tapetes e capachos

Junto às bombas de Shell
Com as bombas manuais
Estava o Abel da Benta
Com leitões habituais

Estaladiços cheirosos
Fumegavam estavam mornos
Vinham da rua de baixo
Directamente dos fornos

Vinham dentro de uma caixa
Toda feita de madeira
Mas com tampa protegida
Com a rede mosquiteira

Rua abaixo, rua acima
Andavam as barateiras
Com o seu carro de mão
Apregoando carteiras

Vendiam só miudezas
Linhas nastros e fitas
Também tinham balalaicas
E até Marias-Ritas

Navalhas e canivetes
Até linhas e botões
Também vendiam camisas
A troco de alguns tostões

Apareciam os gravateiros
Sempre com novos padrões
Com as gravatas expostas
À sua frente em varões

Bem usadas nesse tempo
Era o luxo de então
Que dava ao rico e ao pobre
Uma outra distinção

Havia bons vendedores
Com muita apresentação
Que percorriam as ruas
Com a sua exposição

O Joaquim Correeiro
Aparecia muitas vezes
Como o Bento e o Zé Bicho
E ainda o Raúl Lancetes

Havia um fabricante
Em Águeda foi o primeiro
Tinha até um fino gosto
Era o Joaquim Gravateiro

Em frente ao Brites das roupas
A vender o berbigão
Lá estava o Ti Camilo
Com o seu búzio na mão

Com medidas de madeira
A cinco e a dez tostões
Tudo levava para casa
Os fresquinhos berbigões

Vinha o carro do Clarindo
E também o do Abel
Vinha ainda o, Manel Gago
Com berbigões a granel

Numa carroça de burros
À Barra os iam buscar
Viajando toda a noite
Para cedo aqui chegar

Apregoavam em voz alta
"Ó povo tens o que queres"
"Olha o berbigão graúdo"
"Levem a crica mulheres"

Louça de barro vermelho
De trabalho artesanal
Também ali estava exposto
A todo o povo em Geral

Vasos, moringas, picheiras
Canecas lindas, tigelas
Ainda alguidares para a roupa
Cântaros, funis, gamelas

Havia ali lindas cântaras
E de qualidade boa
De trabalho artesanal
À entrada da Alagôa

Nessa pequena fábrica
De trabalho feito à mão
Processo rudimentares
Estavam na execução

A louça de barro preto
Em Molelos fabricada
Pela sua utilidade
Era muito procurada

Cafeteiras p’ró café
Caçoilas e assadeiras
Pecinhas decorativas
Pratos e até picheiras

Também se vendiam potes
No interior vidrados
P’ra Conservar azeitona
Eram muito procurados

Para conservar o unto
Onde os rojões guardavam
Lá vinham comprar os potes
Quando o seu porco matavam

Apertadas com um fio
Mesmo aos ombros penduradas
Andavam os vendedores
Com latas recuperadas

Apregoavam as latas
Que eram usadas do óleo
"Olha os púc’ros para a água
Olha as latas p’ró petróleo"

Apareciam vendedores
Que percorriam as feiras
Com sogas e cofinhos
Com costêlos e peneiras

As peneiras de arame
de seda ou de latão
Eram muitas vezes feitas
Na praça, na ocasião

Eles vendiam ferragens
Foicinhas, tenazes, trempes
Pregos, podões e gadanhas
E até vendiam sementes

Até mesmo o Borda d’Água
Enxadas, sachos, farpões
Machados e ratoeiras
Forquilhas e alviões

Tinham enxadas de dois bicos
Ainda ancinhos de madeira
Plainas, enchós e arame
E até rede mosquiteira

As panelas de três pernas
Eram vendidas nas feiras
Piche e rebite zincado
P’ró fabrico das bateiras

Vendia-se ráfia aos molhos
E batoques para as pipas
Para estas as torneiras
P’rós enchidos secas tripas

Estavam sertãs de ferro
Lindos tachos e panelas
Havia ainda embudes
Havia lacre e sovelas

Duas correias aos ombros
Segurando um tabuleiro
Era assim que o Rei-das-Limas
Ganhava algum dinheiro

Vendia Limas e grosas
Até mesmo limatões
E limas de cabo de aço
Para ganhar alguns tostões

Levava tudo a rir
E não deixava uma feira
Para ir vender os monos
Vindos do Tomé Feteira

Também o amola-tesouras
Com banca improvisada
Lá dava uma tocadela
Na sua gaita afinada

Fazia rodar c’os pés
Uma roda bem pesada
Que ligada por correia
O esmeril movimentava

Amolava ferramentas
Tesouras, facas esmurradas
Também compunha varetas
Quando estavam avariadas

Como a vida estava má
Para não comprar novos pratos
Quando se partia algum
Eram unidos com gatos

Os gatos eram de arame
E o mestre os concebia
Aplicados com cimento
O prato partido unia

Às vezes durava anos
Tão seguro como novo
Era assim que se poupava
Era a miséria do povo

O senhor José Fernandes
Em Águeda é o mais antigo
Anda há cinquenta anos
Trazendo o carro, consigo

E na ideia do povo
Segundo a crença que tem
Ao ver o Manuel Fernandes
É sinal que a chuva vem

Quando vinha o Augusto Estona
P’rá canalha era alegria
Com rodízios numa moca
E chapéus de fantasia

Trazia os chupa-chupas
De trabalho artesanal
Confeccionados por ele
Na terra do Ameal

Eram só feitos de açúcar
Em forminhas de papel
De papel de muitas cores
E vendidos a granel

Trazia em tabuleiros
Com cavidades furados
E tendo uma forma cónica
Eram ali enfiados

Era o regalo dos pobres
Dos pobrezinhos de antanho
A cinco e a dez tostões
Consoante o seu tamanho

Era delícia para alguns
P’ra outros era miragem
Crescendo água na boca
Quando vinham de passagem

Com caixinhas de madeira
Estavam lá engraxadores
Com frasquinhos de anilina
E escovas de duas cores

Tratavam bem o cliente
E para sua protecção
Colocavam duas palas
Geralmente de cartão

Era vê-los alinhados
Todos com o mesmo fim
Como António da Graça
Jaime Boche e Serafim

Estava ali o Edgar
E até o Mário Lapão
E mesmo o Santarém
Todos a ganhar o pão

Trabalhava para os bombeiros
O mais antigo afinal
De apelido conhecido
O amigo Natural

Todos eles se apuravam
Havia arte e jeitinho
Com pano de polimento
Até davam estalinho

Vinham alguns cantores do Porto
Com violas mas sem graça
Cantavam coisas horríveis
Anunciavam desgraça

Juntava-se o povo à volta
Com grande curiosidade
E compravam os panfletos
Com a triste novidade

Aproveitavam notícias
De crimes e de desgraça
Para ganharem seu pão
Andavam de praça em praça

Vendiam-se até remédios
P’ra curar qualquer doença
E o povo até comprava
Era assim a sua crença

Munidos de altifalantes
Na mira de alguma sobra
Com a sua propaganda
Vendiam Banha-da-cobra

Era remédio p’ró fígado
P’rá asma, p’rá rouquidão
Para a tensão elevada
E até para o coração

Fazia bem à bronquite
E até ao reumatismo
Tirava a febre e as dores
E curava o paludismo

Fazia dar vista ao cego
Punha a falar o mudo
Remédio milagroso
Era cura para tudo

"Dois pr’aqui mais dois pr’ali
Há poucos, vai acabar
P’ra facilitar a venda
Ponham a nota no ar"

"Não os quero maçar mais
Não me quero tornar chato
Evitem de levar um
Porque aos três é mais barato"

"Para alguém desprevenido
Fica a minha direcção
Porque envio à cobrança
Com toda a satisfação"

Havia lá três quiosques
Que tanta graça metiam
Mais perto da PVT
E muita coisa vendiam

Dois deles eram local
Onde fruta se vendia
Mais o mais antigo ali
Era o da velhinha Iria

O quiosque da Floripes
Com frutinha de primeira
Tinha pencas penduradas
De bananas da Madeira

Vendia pencas e nabos
Louro e salsa também
E a Elisiária pequena
Ajudava a sua mãe

Vendia cabeças d’ alho
Ramos de salsa e noz
Até pedaços de abóbora
Para fazer as filhós

O quiosque do Raúl Conde
Com revistas e jornais
Vendia até lotaria
Mesmo para intelectuais

Vendia a revista "Stadium"
Se a memória me não falha
Vendia mesmo o "Mosquito"
Para entreter a canalha

Vendia lindas revistas
E jornais de toda a gama
E o "Mundo de Aventuras"
Tão popular e com fama

Vendia o "Rimtimtim"
Para a criançada animar
Ainda o "Flecha Negra"
E o "Condor Popular"

Até tinha rebuçados
De uma grande colecção
Com todos os jogadores
Da primeira divisão

Enchendo uma caderneta
Com jogadores um-por-um
Lá recebia de prémio
Uma bola de "Cautchum"

Havia alguns viveiristas
Que serviam toda a gente
Como João Canas, Talhadas
Ainda o Manuel Vicente

Com árvores de qualidade
Com o seu trabalho e zelo
Vendiam com qualidade
De boas castas, bacelo

O amigo João Canas
Com muita dedicação
Levava muitos atados
Com destino à estação

Era no carro das vacas
O trabalho efectuado
E quando chegava ali
Ia tudo despachado

O parente Quim Talhadas
Foi um grande viveirista
Era muito persistente
Sempre com progresso à vista

Era muito habilidoso
P’ra conseguir seus intentos
Preparava boas árvores
Com diversos cruzamentos

Trabalhava em grande escala
Com muita dedicação
E muitos dos seus produtos
Eram para exportação

O grande homem da trompete
O amigo Manel Vicente
Tinha sempre bom bacelo
Que agradava a toda a gente

Estes homens de valor
Sem o pensar concerteza
Enriqueceram a terra
Deram vida à natureza

Deram-nos oxigénio
A base da nossa vida
E até aos passarinhos
Proporcionaram guarida

Apareciam correeiros
Com albardas e fivelas
Retrancas cilhas e rédeas
E cintos de formas belas

Também vendiam estribos
Que enfeitavam montadas
Vendiam lindos arreios
E bonitas cabeçadas

Era a toilette dos burros
E que tanto os enfeitava
Dava vida a algumas burras
Como a Balcória do Fava

Vinha gente lá da serra
Com ovos e criação
Com trigo aveia e milho
Grão de bico e feijão

Os ovos e cereais
Em canastras transportados
Destinavam-se a depósito
Onde eram cambiados

Eram vendidos no Afonso
E no César merceeiro
E até mesmo no Gil
Na troca de algum dinheiro

Os ovos eram embalados
Com cuidado especial
E em caixas de madeira
Seguiam para a capital

E percorrendo as ruas
Sempre no seu vem-vai
Com calma na bicicleta
Aparece o amigo Estai

Traz os garrafões de vinho
Em cima do guiador
Para clientes muito amigos
A quem apanhou amor

E lá vem do Ameal
Para ele é um prazer
Traz vinho de qualidade
Para o cliente beber

Também vinham canastreiros
Com canastras e cestinhas
Que eram feitas de castanho
Retalhado às tirinhas

Tinham muita utilidade
Mesmo p’rás pessoas nobres
E até servia de berço
Para as crianças mais pobres

Para os lados do São Pedro
Meu parente verdadeiro
Havia um grande artista
Adriano Canastreiro

António Alves da Costa
Foi um grande tanoeiro
Fazia todas as feiras
E também foi taberneiro

Vendia baldes canecos
Picheiras e escudelas
Lindas pipas, pás de forno
Até dornas e gamelas

Vendia colunas para vasos
Lindos mochos e cadeiras
Armários e mosqueiros
Malas e prateleiras

Vendia também masseiras
Peneiras bem acabadas
Até bancos de criança
E cadeiras articuladas.

E o Manel das Vacas
Com o seu pastor alemão
Aparecia muitas vezes
Fazendo exibição

Era o cão mais lindo de Águeda
Disso estava consciente
Quando parava na rua
Encantava toda a gente

Era do Doutor Amílcar
De quem era servidor
E o Manel que era aprumado
Era o seu zelador

Apareciam vendedores
De pequenos camarões
Eram vendidos à malga
Apenas por dez tostões

Com cebola com pimenta
Com azeite temperados
Regadinhos com um marquês
Ficávamos consolados

Aparecia o amigo Cheta
O albino e o Bibi
O Pantero, o Albaninho
E muitos mais que eu vi

Até o Mário de Barrô
Que por norma não se atrasa
Se não lhe davam esmola
Partia logo na brasa

Acompanhado de um pau
Muitas terras percorria
Andando sempre descalço
Numa grande correria

O Barco-ao-Fundo também
De Paredes oriundo
Quando este nome chamavam
Era logo o fim do mundo

Até o amigo Machado
Com cara de refilão
Vinha vender sabonetes
Era a sua distracção

O "Sabonete das Taipas"
Bonito e bem cheiroso
Era para o amigo Machado
Um negócio bem rendoso

Tudo tinha medo dele
Por matar um companheiro
Mas para mim foi sempre amigo
Até me dava dinheiro

Também o Chico Tinhoso
Com chapéu arredondado
Dormia uma soneca
Lá nos bancos do mercado

Quando passava a Anselma
E alguém "Pum" lhe dizia
Era logo o fim-do-mundo
E toda a gente ofendia

Um dia foi a Lisboa
E de surpresa ouviu "Pum"
Disse "são sacanas de Águeda
Lisboa não tem nenhum"

O nosso amigo Júlio
Sem ordenado nem rendas
P’ra ganhar a sua vida
Acarretava encomendas

Trabalhava sem parar
Ao Domingo e à semana
Mas bebia o seu marquês
Na tasca da Ti Joana

Ele gostava do Faísca
Na loja do Augusto Zica
E da sande habitual
Que tão barato nos fica

Quando ia ao Piolho
A ver os filmes de pé
Bebia no intervalo
Refresco de capilé

Até o amigo Teófilo
Não deixava os mercados
Pedindo a sua esmola
Com os pés muito inchados

Fora do tempo defeso
Em certas ocasiões
Aparecem vendedores
De robacos e pimpões

Traziam até lindas carpas
Enguias a rabear
Vinham vivas da pateira
Para o cliente comprar

Vinham alguns vendedores
Do rego e Óis da Ribeira
Uns vinham de bicicleta
Outros vinham de bateira

As vendedeiras da louça
Que vinham de Verdemilho
Vendiam peças bonitas
Sem defeito e com brilho

Vinham na véspera p’ra Águeda
Onde tinham armazém
Na Adelaide Coutinho
Onde dormiam também

Do armazém do Barril
A louça era acarretada
Ia em carros de mão próprios
E bem acondicionada

Louça preta era da Rita
A vermelha era d’ Aurora
As duas eram amigas
Foram pela vida fora

Vinham cestos de vindima
Dos lados d’ Óis da Ribeira
Eram só feitos de vime
E de vime de primeira

Destinavam-se à vindima
E à apanha da azeitona
Também chamados poceiros
Consoante a sua zona

Alguns dos seus fabricantes
Quando a campanha começa
Em casa dos lavradores
Faziam trabalho à peça

Vendiam-se até esteiras
Eram em Perrães fabricadas
Tinham muita utilidade
Eram muito procuradas

Nesse tempo as oliveiras
Tinham muita produção
E na apanha da azeitona
Eram espalhadas no chão

Até nalgumas casas
Com precárias condições
P’ra fazer compartimentos
Serviam p’ra vedações

Fabricantes de Perrães
Com habilidade sua
Fabricavam as esteiras
De bônho e atabua

Ao Domingo vinha à praça
O Resende de Óis da Ribeira
P’ra levar mercearia
Transportada de bateira

Seu patrão era o Martins
Que era muito conhecido
Como bom comerciante
Era assim abastecido

P’ra fazer a sua carga
Vinha logo de manhã
E a carga era feita
Junto à Auzenda Alemã

A Auzenda tinha uma tasca
Junto ao João Latoeiro
Tinha sempre boa pinga
E à porta um fogareiro

Tinha lá cachucho frito
Também havia coiratos
Havia enguias fritas
E preparava bons pratos

A sardinha de escabeche
Era este o seu pitéu
Na taberna que mais tarde
Foi da Glória do Xaréu

Mesmo junto ao André
O mercado da sardinha
Era coberto de chapa
E que linda graça tinha

Duas bancas paralelas
Numa base cimentada
Era ali nesse local
Que a venda se efectuava

A vender bonito peixe
E de qualidade fina
Estava a Palmira Morta
E também a Albertina

Com sardinha e com petinga
Tão bonita e tão boa
Estava a Eugénia Serrana
E a Elvira Sacristoa

Também estava o António Gago
E até a Preciosa
E a Maria da Luz
Com pescaria vistosa

Vendiam linda sardinha
Até chicharro de par
Petinga e navalhinha
E carapau a saltar

Eram rabos de sardinha
Nesse tempo bem salgada
Até sardinha amarela
Devidamente curada

A sardinha amarela
Tão gostosa e procurada
Havia quem lhe chamasse
Sardinha remelada

O António Pinheiro
E o Gaitas de Anadia
Qualquer deles era forte
E o mercado abastecia

Vinham de camioneta
Em correrias até
Às vezes de Matosinhos
De Peniche ou Nazaré

A vender o peixe grosso
Tão fresquinho a saltar
Estava ali o Guilherme
E a Maria Gaspar

Também a Ângela do Vale
Ali estava de manhã
Para fazer o mercado
Com a sua sócia irmã

O peixe vinha de Lisboa
Muito bem acondicionado
Vinha em caixas de madeira
Por comboio despachado

Com carro de duas rodas
Todos dias em geral
Ia o Guilherme à estação
Com a Maria do Vale

Traziam o fino peixe
Fresquinho quase a saltar
Com destino ao mercado
Para a venda efectuar

Linguado, e cachucho
Safio cherne e corvina
Raia, garoupa e pargo
E pescada da mais fina

Havia uma sardinheira
Assequins abastecia
Com a canastra à cabeça
Todo o lugar percorria

Como não sabia ler
Para saber a quem fia
Por sinais feitos no livro
Sabia quem lhe devia

A família ainda tem
Um livro com os risquinhos
Daquela a quem chamavam
Maria dos sinaizinhos

Vinha hortaliça de Aradas
E até de Verdemilho
Ainda de São Bernardo
Toda fresquinha com brilho

Vinha o Francisco José
E o António Pessegueiro
Ana Rosa e Zé Coelho
Com seu produto caseiro

Formavam-se enormes rimas
De bons nabos no mercado
Eram vendidos à dúzia
Para o povo interessado

Vendiam couves e grelos
E linda couve-flor
Que lindas pencas às vezes
E brócolos que eram um amor

Vinham em carros de bois
Da origem p’rós mercados
E é um caso curioso
Como eram transportados

O transporte era de noite
E o gado tão treinado
Vinha mesmo sem guião
Direitinho ao mercado

Num carro com a lanterna
P’ra presença assinalar
Vinha o dono a dormir
Tranquilo a descansar

Havia ali três tabernas
Com pinguinha de primeira
Era tirado da pipa
Mas directo p’rá picheira

Havia o copo pequeno
E também o de marquês
E até mesmo o penalty
Se bebia muita vez

O povo matava-o-bicho
Mesmo logo de manhã
Na tasquinha do Belmiro
Ou da Auzenda Alemã

Até Joana dos carros
Ali frente ao mercado
Tinha sempre bons petiscos
E vinho de bom agrado

O biquinho mais esquisito
Para ir mais longe arrisca
E vai mesmo ao Augusto Zica
Para beber um faísca

Quando Augusto se enervava
Ou havia confusão
O faísca da pipinha
Só saia por ração

Perto do Carlos Natal
Estava a loja do Afonso
Mas também do outro lado
O Pedro e o Ildefonso

Onde está o Sotto Mayor
O Pedro se divertia
Consertando bicicletas
Junto da tipografia

O tipógrafo Ildefonso
Trabalhava muito bem
Imprimia bons trabalhos
E até o "Águeda" também

Por cima do amigo Pedro
No andar número um
'Stava Bernardino Santos
Que era o Padre Balacum

Com depósito de milho
'stava ali o grémio também
Sendo seu administrador
O senhor Gomes de Serém

Vendiam-se até chapéus
Substituindo cartolas
E também belos bonés
E até boinas espanholas

Sachadeiras desse tempo
Usavam chapéus de palha
Uns eram de aba larga
E outros de fina palha

Os trabalhadores do campo
Todos eles em geral
Usavam estes chapéus
No seu trabalho rural

Manuel Alves Pereira
No tempo da minha infância
Fabricava bons chapéus
Com qualidade e elegância

Tinha na rua de cima
Um lindo estabelecimento
E ali os fabricava
Num outro compartimento

Quando ia para as feira
Que grande presença mete
Por fazer o seu transporte
Numa elegante Charrette

Era um carro elegante
E de animal tracção
Puxado por um cavalo
De toda a estimação

Ia fazer a Palhaça
A Moita e Aguada
Como Oliveira do Bairro
Sempre de linda montada

Rosalina Marques Maia
Há setenta anos idos
Já vendia os seus tremoços
Bonitos e bem curtidos

A sua filha Maria
Para o negócio começar
Pediu quatro tostões
Para os tremoços comprar

Os primeiros que vendeu
Não foi mal p’ra começar
Ganhou dois mil e quinhentos
Para uma saia comprar

A ti Maria dos tremoços
Mulher do Abílio Canas
Com os seus setenta anos
Bem do tempo das tricanas

Vestidinha a rigor
Com a canastra na mão
"Quem quer comprar tremoços"
Era assim o seu pregão

Com os seus setenta anos
Com a mesma animação
Vai p’rá a praça com tremoços
Com o seu carro-de-mão

Depois de demolhados
Os tremoços são cozidos
E demoram quatro dias
Para ficarem curtidos

Por não terem poluição
Os ribeiros antigamente
Eram ali postos em sacos
Bem expostos à corrente

Os sacos eram escondidos
Com uma pedra a assinalar
mas quando a malta os topava
Era um tal aviar

De Assequins ao Ribeirinho
Muitos sacos se encontrava
Naquela água tão pura
Que a sede nos matava

Havia uma tremoceira
Da terra do Ameal
Por sinal era ceguinha
Da quinta do morangal

Assadeiras de castanhas
Junto ao passeio alinhadas
Tinham-nas quentes e boas
Vistosas e bem assadas

Metidas numa assadeira
Sempre com sal bem mexidas
Embrulhadas em jornal
Eram à dúzia vendidas

Assou Maria do Carmo
E também a Cesaltina
A Esmeralda Barbosa
E Matari Josefina

Ainda Assunção do Arsénio
E a Maria Perdida
E quantas vezes à chuva
Para ganharem a vida

Muitas tabernas havia
Que à vila davam vida
Onde todos encontravam
Pinga boa e comida

Havia o Abel da Benta
Com vinho que era um amor
E até o João Moleiro
Chamado Carregador

Na tasca do Abel da Benta
Onde a carreira parava
Juntava-se lá muita gente
A gente que embarcava

No tecto da camioneta
À volta resguardada
Seguia toda a bagagem
Com uma corda amarrada

Os carros dos Azeitonas
Sempre limpos e afinados
De Aveiro ao Caramulo
Andavam sempre apinhados

Com a crise do petróleo
Em pleno tempo de guerra
Andavam a gasogénio
Mas lá subiam a serra

Quando o gás escasseava
Mas que grande frete tinha
O chauffeur parava o carro
Para dar à ventoinha

Uma fornalha redonda
Segura à parte de trás
Levava carvão a arder
Para conseguir o gás

Uma meia hora antes
Da camioneta partir
O carvão, estava a arder
Para o gás produzir

Era o senhor Olivette
Afamado cobrador
Toda a gente o respeitava
Por ser muito zelador

Com a falta da borracha
E mesmo das câmaras de ar
Enchiam pneus de palha
Para poderem andar

O bairro da Venda Nova
Estava bem apetrechado
Com a loja da serrana
E do Fausto Entrevado

Havia o "Cá-te-espero"
Junto ao São Sebastião
Com grande ramo de louro
Tinha muita agitação

Também a tasca do Hugo
Mesmo junto à estação
Aviava os clientes
À espera da embarcação

O vinho era afamado
Não havia coisa igual
Porque tinha grande mestre
Senhor António Pinhal

Em frente ao hospital
Onde está o dispensário
Havia uma taberna
Que era do Elisiário

Vendia lá bons leitões
E ao Domingo em geral
Tinha boa clientela
De visita ao hospital

A Zínia perto da fonte
Num ambiente caseiro
Servia lá bons petiscos
E Chouriças do fumeiro

Fazia também a praça
Com bons porcos que matava
E até Glória Macaca
Era a sua empregada

No número oitenta e oito
Com a vida no seu final
Saíram-lhe oitenta contos
Na lotaria nacional

A loja do carregador
Junto à farmácia Amaral
Servia lá os moleiros
Que vinham do Ameal

As argolas nas paredes
Mesmo em frente à sua venda
Eram para prender os burros
Carregados de moenda

Passava lá uma burra
Que fazia contestação
Se não lhe dessem umas sopas
Feitas de vinho e de pão

A burra de que vos falo
Que só assim se acalmava
Era uma burra afamada
Era a Balcória do Fava

Havia ainda o Sousa
Havia o Guilherme Guerra
E também o tanoeiro
E o amigo Zé Serra

Vinham de Castelo Branco
Em cavalos bem tratados
Com palha em cestos metidos
Queijos da serra curados

Queijeiros vindos da serra
Com dificuldades tantas
Só traziam pr’ agasalho
Apenas algumas mantas

Eles vinham de muito longe
Andando de terra em terra
Demorando muitos dias
Até voltarem à serra

De Fornos e Celorico
De lá vinham outros também
Com queijinhos amanteigados
Que fama tinham também

O senhor Carlos Bragança
E Manel Paixão, os dois
Vinham vender couve ao centro
Com os seus carros de bois

Também o João Serrano
Vindo de Aveiro, Aradas
Trazia no seu cavalo
Onde eram transportadas

Um dia ele teve azar
E o cavalo assustado
Caiu numa ribanceira
Ficou todo espatifado

O cavalo e o Serrano
Ficaram os dois feridos
Mas em breve recuperaram
Continuando os dois unidos

Vende em Águeda há meio século
Ainda hoje aqui vem
Com uma clientela antiga
Ainda vende muito bem

A Albertina Tavares
Ao mercado de Águeda afecta
Vinha com o seu marido
Os dois de bicicleta

Com uma grande carga atrás
Quando a couve transportava
Ao sair da bicicleta
Ela até empinava

De Pinheiro da Bemposta
P’ra evitar a bicicleta
Mais tarde lá resolveram
A vir de camioneta

Vinha na dos Oliveiras
Era fácil muito mais
E até lá pernoitavam
Send’ amigos pessoais

Homens da marionetas
De bonecos bem espertos
Também vinham ao mercado
Com os chamados Robertos

Bonecos manipulados
Dentro duma vedação
Encantavam os pequenos
Dando-lhes satisfação

Ao acabar o trabalho
Com graça e animação
Faziam um peditório
Com uma boina na mão

Apareciam barracas
Com os jogos de panelas
Eram lindas de alumínio
E tudo gostava delas

Traziam jogos de tachos
De cafeteiras também
E calhavam por sorteio
A quem acertasse bem

Toda a gente as pretendia
E por gostar tanto delas
Era muito concorrida
A barraca das panelas

Tinham lá mesmo ao meio
Três roletas penduradas
E quando elas giravam
Eram séries sorteadas

Ali à volta das barracas
Juntavam-se multidões
Comprando a sua série
Apenas por dez tostões

Com a ideia das panelas
Um dia eu me tentei
E apenas com um bilhete
No número exacto acertei

E uma pessoa rica
Convenceu a minha mãe
A vender as panelinhas
E que lhas pagava bem

A minha mãe lá cedeu
Depois de um pouco pensar
Dava mais jeito o dinheiro
Para o pão nos comprar

Fazia venda na praça
A moleira Anunciação
Com Farinha de milho, trigo
E mistura para o pão

Quando chegava ao Botaréu
Com os burros carregados
Numa pedra junto ao rio
Eram ali amarrados

Os burros que trazia
Como tinham de esperar
Apareciam voluntários
Para os levar a pastar

Eles grandes malandrecos
Em vez de os por a pastar
Andavam toda a manhã
Com eles a cavalgar

Mesmo junto ao Botaréu
Era aí o picadeiro
Montava o Jaime Marques
E o Zé Júlio Ribeiro

Cavalgava o Quim Moina
E o Firmino Gaspar
Depois vinha o João Júlio
Todos queriam montar

O Elói era o mais novo
Na arte de cavalgar
Um dia montou um burro
Mas foi um dia de azar

Quando se sentou na albarda
Armado em sabichão
O burro deu dois pinotes
E pregou com ele no chão

Até mesmo o João Fuso
Com seu ar de malandrão
Montava os pobres burros
Era a sua distracção

O José Júlio Ribeiro
Com o Fuso à batatada
Atingido com uma pedra
Ficou de testa rachada

Parece que ainda se nota
A marca no deputado
Porque o Jogo aziago
Ficou sempre assinalado

E os pobres do dois burros
Sem ter tempo p’ra pastar
Voltavam à sua dona
Sem ponta d’erva tragar

A velha Anunciação
Que a cena desconhecia
Com palavras de ternura
Ainda lhes agradecia

A tia Anunciação
Era uma linda figura
Com um lenço na cabeça
E um pano à cintura

Trazia uma carteira
Em forma de coração
Com pano de muitas cores
E linda apresentação

Ali metia os trocados
Da venda ou da maquia
Andando sempre com ela
No avental todo o dia

Havia tendas da roupa
Em frente ao Carlos Natal
Vendiam lá cobertores
E toda a roupa em geral

Vendiam pano a metro
E riscado da tabela
Com a cor verde e vermelha
Bem destacada na aureola

Tinham lá xailes grossos
E mais finos de marino
Para as senhoras mais ricas
P'ra um aspecto mais fino

Vendiam cuecas, ceroulas
Corpetes e aventais
Tudo isto executado
Em trabalhos manuais

As mulheres da roupa feita
Num trabalho feito à mão
Percorriam os mercados
Com a sua confecção

Lá iam de bicicleta
Ao sol, à chuva e ao vento
Com o fardo no suporte
Era assim o seu tormento

Percorria muitas feiras
A Ludovina Balreira
Com a Clara de Paredes
E a Maria Pereira

Também a Dália Natal
Ainda sem armazém
Andava com roupas feitas
De feira em feira também

A ti Glória Chula
De costura percebia
Andava de casa em casa
A fazer trabalho ao dia

Tinha fama o seu trabalho
Toda a gente a procurava
Era muito despachada
O seu trabalho agradava

Nos serões e horas vagas
Às vezes noites inteiras
Preparava mais trabalhos
Para levar para as feiras

Levava bicicleta
Com o seu fardo atrás
Às vezes com trinta quilos
E até por estradas más

Mais tarde veio o Júlio
Que transporte efectuava
Com camioneta de carga
E as feirantes levava

Seguiam na camioneta
Nos seus bancos laterais
Iam sempre aos solavancos
Com barulhos infernais

E a ti Glória Chula
Por não haver infantário
Levava o seu filho Egberto
Tinha isto por fadário

Ele ia numa canastra
Que era o berço dos pobres
E quantos nelas dormiam
Com sentimentos tão nobres

O rapaz da minha rua
Que hoje vive tão bem
Já comeu o pão amargo
Que não fez mal a ninguém

O Egberto ia no carro
Pelas tendeiras guardado
Era o menino das bruxas
E por todos adorado

Havia fruta na praça
Mas fruta da ocasião
Não havia frigoríficos
P'rá a sua conservação

Vendia ali a Matilde
A Amélia e a Margarida
Eram mulheres agitadas
No seu princípio de vida

O Zé e a Maria Augusta
Também vinham ao mercado
Num carro de duas rodas
Por um burrinho puxado

Ao fazer a sua venda
E a praça estar acabada
Regressavam a Arrancada
Com a venda efectuada

Apareceu a Matilde
Na praça um pouco mais tarde
Com diversas novidades
Importadas do Algarve

Vinham de Luz de Tavira
De Boliqueime e de Olhão
Também d’Armação de Pêra
Que era boa região

A Isaura da Bicha-Moira
Era mulher muito calma
Foi sempre de boas contas
Que Deus lhe fale na alma

O ti João das batatas
Marido e bom companheiro
Tinha também seu negócio
E ganhava algum dinheiro

Negociava batatas
Até milho e feijões
Percorria muitas feiras
Para vender os leitões

Também vinha de Paredes
Banana que era um amor
Vendida ali no mercado
Mas pelo João Feitor

Este feitor foi meu sócio
E a nossa separação
Teve origem na desgraça
Da morte de seu irmão

Custou cento e vinte escudos
O nosso carro de mão
Para servir de transporte
Foi primeira aquisição

Belarmina a mais antiga
Eu dela me lembro bem
Tinha já bastante idade
Negociava também

Vendia no caramulo
Sempre artigo do mais fino
Mesmo junto ao fontanário
Bem perto do Flausino

Ao chegar a camioneta
Sem ter loja nem ter tenda
Era no meio da rua
Que fazia a sua venda

Vendia p'ra muitas casas
Até mesmo refeitórios
Mas a sua maior venda
Era para os sanatórios

Havia uma frutaria
Que abasteci muita vezes
Era do António Chibeiro
E da companheira Inês

A sua loja de venda
Abria bastante cedo
Era perto do Sabino
Rua Ferraz de Macedo

Tiveram ainda uma outra
Em frente à tesouraria
Que foi cedida ao Euclides
Pr'á sua papelaria

Também a Lurdes da fruta
Junto ao Ernesto Ruela
Tinha sempre boa fruta
Fruta vistosa e bela

De fronte a ela a ti Márcia
Que a falar não gagueja
Vendia ali lenha à dúzia
E molhinhos de carqueja

Também tinha bons ovos
Havia bom cereal
Na lojinha instalada
Onde está a Foto Central

Pr'a comer com bom conforto
Carne, peixe ou coisas mais
Só numa casa afamada
Era a pensão do Morais

Também tinha mercearia
E no dia do mercado
Tinha muito movimento
Mas era tudo aviado

O açúcar e o arroz
Na véspera era ensacado
Em cartuchos de papel
Era tudo bem pesado

Vendia sabão à barra
Açúcar, arroz e massa
Também lá vendia velas
E até sabão de potassa

À dúzia vendia ovos
Fresquinhos, vindos da serra
Vendia o arroz corrente
E o gostoso arroz da terra

O café tinha um cheirinho
Era uma consolação
E seguia para o cliente
Moído na ocasião

O azeite tão gostoso
Para a sua clientela
Lá saía de uma máquina
Movida por manivela

Havia uma pensão
Mesmo à entrada da Cancela
Era muito concorrida
Tinha muita clientela

Era a Pensão Barata
Onde está o Ribeirinho
Seus clientes era Sargentos
Onde encontravam carinho

Já lá vão quarenta anos
'Inda lembro o seu labor
E até das pedras lindas
Que tinha no corredor

Também a Pensão Matilde
Com muita apresentação
Aviava muita gente
À hora da refeição

Tinha Sargentos diários
Que andavam a estudar
À procura de um galão
Para a vida melhorar

Anexo tinha taberna
Com petiscos sempre à mão
E uma seira de figos
Sempre comidos com pão

Tinha ainda bons tremoços
E amendoins torrados
Havia iscas de fígado
E chicharro aos bocados

Até o cachucho frito
Que era muito apreciado
Talvez por ser mais barato
Era muito procurado

Havia outra pensão
Que sempre bem nos servia
Era do Augusto Zica
E da esposa , senhora Gia

Tinha cozinha de luxo
Com grande fogão de lenha
Servia lá muita gente
Fosse da terra ou estranha

De fronte a Casa Santos
Com toda a sua grandeza
Era o café mais chique
Com muito luxo e beleza

Tinha clientela fina
Com gente com distinção
Onde comia pastéis
E tomavam o seu galão

Tinha café afamado
Nas mesas açucareiro
Os pastéis à meia dúzia
Na troca de algum dinheiro

O café feito e coado
Na máquina era metido
Com fogareiro a petróleo
Estava sempre aquecido

Ao fundo tinha um salão
Onde a noite iam passar
Os meninos da elite
Que gostavam do bilhar

Tinha sempre boa pinga
De se tirar o chapéu
Com a sua marca própria
Eram os Vinhos Botaréu

Tinha mercearia fina
E uma pastelaria
Com pastéis do seu fabrico
Que muita gente atendia

No Natal o Bolo Rei
Com tal movimentação
A gaveta de tão cheia
Caía a nota pr'ó chão

Tinha fama o pão-de-ló
Aveludado e mimoso
Era muito apreciado
Por ser bonito e gostoso

Em cima tinha pensão
Com serviço de primeira
E um salão muito chique
Decorado a madeira

Havia móveis na sala
De uma arte invulgar
Com madeira trabalhada
E espelhos a rematar

Na cozinha que era grande
Com luxo e bem montada
Era com grande limpeza
Comida confeccionada

Em cima tinha os quartos
Muito limpos, bem montados
E por Sargentos estudante
Eram muitos ocupados

Até muito viajante
Por ter boa recepção
Quando chegavam a Águeda
Procuravam esta pensão

De fronte à velha praça
Onde muito bem se trinca
Havia uma pensão
Que era da Maria Brinca

Tinha cozinha esmerada
Fazia boa comida
Muita gente a procurava
Pela fama conseguida

Alugava alguns quartos
Era residencial
E todos ali dormiam
Ninguém se sentia mal

Junto tinha uma taberna
Para matar a sequeira
A quem bebia o seu tinto
Servido de uma picheira

Havia ali bons petiscos
Sempre quente a sair
E pipas encanteiradas
Para pinguinha servir

Todas as tabernas tinha
As medidas aferidas
Pr'a fazer a medição
Caso fossem exigidas

O senhor Júlio Nápoles
Pr' aviar não tinha jeito
Embora de poucas falas
Impunha muito respeito

Era o proprietário
Da casa com tanta fama
E que hoje tem por nome
A Pensão Vasco da Gama

Junto aos Paços do Concelho
A Pensão Comercial
Servia ali os Sargentos
E todo o povo em geral

E na loja do Barão
Muita coisa se vendia
Com enorme movimento
A vender mercearia

Tinha quase sempre à porta
Uma coisa muito gira
Era o polvo em cestinhos
Importado de Tavira

Era uma casa diferente
Tinha muitas coisas mais
E era especializada
Em solas e cabedais

Vendia muitos artigos
Em certas ocasiões
Até ali se vendia
O chumbo para caixões

Tinha na sua gerência
Pessoas conceituadas
E operações bancárias
Eram ali efectuadas

Máquinas registadoras
Com muita apresentação
Tinha uma a Casa Santos
E tinha outra o Barão

Eram peças de museu
Lindas, bem trabalhadas
Movidas por manivela
Para ser movimentadas

E num grande mostrador
A conta apresentavam
Fazendo barulho a abrir
As campainhas tocavam

O Eugénio Regedor
Tinha uma mercearia
Vendia lá bom café
Que no momento moía

A moagem manual
Era uma coisa bela
Numa máquina gigante
Movida por manivela

Ele vendia sapatilhas
Anilina, até graxa
Bonecas de celulóide
E sapatos de borracha

Havia bons armazéns
De mercearia e afins
Como o armazém da fábrica
Na estrada de Assequins

Armazém do Encarnação
E muitos mais nós tivemos
Foi o Antero Varanda
E também o João Lemos

A casa do Simões Dias
Era um armazém completo
Sendo bem orientado
Pelo empregado Anacleto

O Grémio tinha armazém
Á entrada da cancela
Onde tinha os adubos
Para a sua clientela

Quando aviavam os clientes
Empregados a servi-los
Carregavam aos seus ombros
Grandes sacos de cem quilos

O armazém do milho
Deste belo cereal
Era perto do barril
Junto ao Carlos Natal

Na casa da baronesa
Com bastante animação
Havia um armazém
Que pertencia ao Barão

Com a sua hanomag
Fazia a distribuição
Percorrendo as aldeias
Com calma, sem confusão

Mesmo na Rua de Cima
Um bom armazém tivemos
Tinha artigos variados
Era o do João Lemos

O amigo Manuel
Tinha agitado a missão
Andava com o senhor Lemos
Sempre na distribuição

Nesse tempo as bolachas
Eram em latas metidas
Vinham mesmo a granel
E assim eram vendidas

Havia rimas enormes
Dentro do seu armazém
De diversas qualidades
Que se vendiam tão bem

O armazém do Simões Dias
Vendia muitos artigos
Na rua Ferraz de Macedo
Há sessenta anos idos

Senhor António Vieira
O primeiro encarregado
Era um homem muito activo
Trabalhador dedicado

Depois veio o senhor Artur
Ao trabalho muito afecto
Que mais tarde deu lugar
Ao senhor Anacleto

Nesse tempo os adubos
Para serem transportados
Eram em carros de cavalos
Possantes e bem tratados

Por estarem ultrapassados
E para mais tonelagem
Acabaram com os cavalos
Compraram um Volkswagen

Mais tarde o amigo Artur
Um outro carro conduz
Com um furgão mais robusto
De marca Ford Taunus

Como agente da CUF
Era o mais forte armazém
Vendia muitos adubos
E revendia também

Os sacos eram pesados
E nessa missão amarga
O Manuel Jeitosinho
Fazia sempre a descarga

Só por um litro de vinho
Um dia uma aposta fez
Carregar duzentos quilos
Apenas, só de uma vez

Conseguiu ganhar a aposta
Esse homem que era valente
Que por ganhar a garrafa
Ficara todo contente

O lindo Café Jardim
Com o pátio sevilhano
Vendia boa cerveja
Em todos os meses do ano

O senhor Álvaro Lima
Era ali encarregado
E como era brioso
Trazia tudo esmerado

No andar número um
Com a sala de bilhar
Juntava lá a mocidade
À espera para jogar

No pátio sevilhano
Às vezes fados havia
Ou até ilusionismo
Que o povo divertia

Andava um homem na rua
Para ele era um regalo
Apregoando em voz alta
Olha o remédio pr'ó calo

Geralmente andava a pé
O homem de que vos falo
Com o seu forte pregão
Também dizia "é pr'ó calo!"

Vinha gente da torreira
Pr'a vender as camarinhas
Transportadas em posseiros
E vendidas às cestinhas

E com cestos muito grandes
Mulheres com muita graça
Vinham vender as regueifas
Andando à volta da praça

Vendiam mesmo na rua
E até davam a prova
Dessas regueifas tão boas
De Albergaria-a-Nova

Andavam até mercadores
De peles de coelho e lã
Apareciam ao Domingo
Geralmente de manhã

Compravam peles de coelho
Ferro velho, até sarro
Andavam de bicicleta
Porque poucos tinham carro

As velharias e a lã
Eram ao quilo pesadas
Numa balança de mola
Onde eram penduradas

De seu nome dinamómetros
Tão fáceis de transportar
Tinham uma grande mola
Para o peso controlar

Onde está o João Latoeiro
Que consolador cheirinho
Da broa que ali vendia
A Glória do Casaínho

P'ra fazer as suas compras
Por não saber escrever
Apontava com risquinhos
Quem lhe ficava a dever

E ninguém a enganava
Nas continhas que fazia
Mesmo sem a tabuada
A fazê-las se entendia

Ela vendia farinha
Mesmo em pequenas porções
E até gostosas padas
Apenas por dois tostões

Um dia o amigo Burrinha
Actuando um pouco à toa
Foi a loja da ti Glória
Para lhe pesar a broa

Disse logo não ter peso
E com instinto do mal
Envolveu-a num processo
E levou-a a tribunal

Foi no tribunal do porto
Toda a broa conferida
Como tinha peso a mais
Ela foi absolvida

Ficou mal o funcionário
Amante da escravidão
Que às vezes aos pontapés
Espalhava tudo no chão

Se alguém não tinha senha
Às vezes por esquecimento
Era logo tudo preso
E levado no momento

Um dia o pobre Foguete
Achou dez mil reis no chão
Foi obrigado a entregá-los
Ameaçado de prisão

Passava um senhor na praça
Que metia aflição
Com a cabeça abaixada
E os olhos postos no chão

Era o senhor Luís Teosa
Homem rico e de bens
Que andava há cinco anos
A procurar dois vinténs

Tinha perdido a moeda
Ali mesmo no mercado
E na fé de os encontrar
Andava sempre abaixado

Aos domingos de canastra
De açafate ou posseiro
Vinha gente lá da serra
Ocupando o dia inteiro

Era novo e bem me lembro
Há tantos anos atrás
Só trazia dez escudos
A tia Rosa do Braz

Levava um cesto cheio
Cinco mil metros a andar
Quase sempre descalça
Até a casa chegar

Comprava boa hortaliça
E o carapau do mar
Lindos rabos de sardinha
Até chicharro de par

E como era Domingo
Para nossa consolação
Também levava consigo
Umas padinhas de pão

Do lugar de Assequins
P'ra ganhar algum dinheiro
Quando o calor apertava
Vinha o Abel sorveteiro

Seu transporte era um triciclo
Por pedais movimentado
Sentadinho no selim
Era tudo despachado

Apareciam cauteleiros
Alguns de grande perfil
Era o amigo Paradela
E o Carlos de Arganil

Vinha o Jorge de Coimbra
E o Arnaldo de lá vem
Como o amigo José Carlos
A vender jogo também

O Arnaldo de Mouquim
O Gomes de Oliveirinha
E até o senhor Albino
Que na lapela sempre as tinha

Havia casa de fazendas
Dos mais modernos padrões
Eram expostas em peças
Com destino a confecções

O Camossa era o mais forte
Em montras era o primeiro
Havia o Carlos Natal
Almeidas e senhor Ribeiro

O Almeida das fazendas
Homem com grande perfil
Também vendia passagens
Para África e Brasil

O empregado, senhor Alfredo
Tinha muita simpatia
Era homem de respeito
E muita gente atendia

Por se ter estabelecido
Esse homem sempre sem falhas
Ocupou o seu lugar
O senhor Luís das Malhas

O senhor António Almeida
Vendia também passagens
Para África e Brasil
E até outras paragens

A Madalena Balreira
Acarretava o correio
Com o seu carro de mão
Não havia outro meio

Ir à estação quatro vezes
Era a sua penitência
Trazia sacos fechados
Cheios de correspondência

Nas noites frias de Inverno
Que sacrifício ela fez
Esperar com paciência
Pelo comboio das dez

E assim durante anos
Foi o trabalho que fez
Para vencer o ordenado
De quinze escudos por mês

Farmácias cá na vila
Havia três afinal
Era a Vidal era a Ala
E a farmácia Amaral


© Braz dos Kiwis 1996 - 1998

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